Tadao Nagai, uma lenda do judô brasileiro
- Admin
- 19 de set. de 2018
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Atualizado: 21 de out. de 2018
A trajetória da figura mais importante do judô pernambucano

Tókio, Japão, 1882. Era inaugurada a primeira e até hoje a mais importante academia de judô: a Kodokan (Instituto Caminho da Fraternidade), fundada pelo mestre Jigoro Kano, acessível às pessoas que não iam para a guerra, como mulheres e crianças. Depois de muito estudar o antigo jujútsu japonês (modalidade de luta extinta), o mestre criou uma nova arte marcial, que incluía um sistema de graduações por meio de faixas.
Não demorou para que a nova arte marcial, ainda conhecida como jujútsu Kano, se popularizasse no Japão. Com a imensa imigração japonesa no início do século 20, em poucas décadas o judô estava disseminado pelo mundo. Nomes como Tsunejiro Tomita, Mitsuyo Maeda e Soishiro Satake levaram os conhecimentos de Kano para o resto do mundo, sendo os dois últimos os pioneiros do judô no Brasil.
Em 1938, o Brasil recebeu um grupo de judocas liderados pelo sensei Ryuzo Ogawa, que impulsionou o ensino em solo brasileiro. Menos de uma década depois, o mesmo Ogawa recebeu em sua academia um menino com 11 anos, descendente de japoneses, que se tornou não só aluno como também inquilino. O jovem se chamava Tadao Nagai, que havia saído do Pará para estudar em São Paulo, após a fazenda de seus pais ser saqueada com o fim da Segunda Guerra Mundial.
Viver com o sensei Ogawa não era simples. Além dos estudos e treinos, o menino realizava tarefas domésticas, como lavar banheiros, supervisionadas pelo professor. Sobre isso, Nagai afirma não ter sentido dificuldades para se adaptar, porém viu companheiros passando por situações diferentes. “Antes de ir para São Paulo trabalhava com meus pais na roça, então não foi muito difícil ajudar a limpar os tatames e os banheiros, mas lembro que um dos meninos não aguentou a pressão e fugiu”, recorda aos risos.
Esforçado também nos tatames, aos 15 anos conquistou a faixa preta, um dos mais jovens de sua geração a alcançar o feito. Como competidor, colecionou vários títulos de grande expressão, e até mesmo credenciou-se a participar das Olimpíadas de 1964, porém não pôde competir por razões até hoje mal explicadas. “O Brasil teve dois judocas classificados para as Olimpíadas, mas só um foi. Me foi dito que o governo estava fazendo um corte de gastos e que, por eu já ter 30 anos, não iria. Foi isso que me chegou, até hoje não sei se é a verdade”.
As competições daquela época eram muito diferentes das atuais. Categorias de peso não existiam, o que fazia com que atletas leves como Tadao Nagai enfrentassem lutadores com mais de 10kg de diferença. “Quando comecei não existiam categorias de peso. Era por graduação. Numa final de campeonato paulista eu lutei com um adversário de 95kg, eu tinha 62kg e joguei ele. A beleza do judô é essa, um pequenininho ganhar de um maior”, lembra o sensei.
Em 1970, ele foi transferido de São Paulo para o Recife pelo Instituto Brasileiro do Café, onde também trabalhava. A ideia inicial era deixar o judô de lado, mas isso logo mudou. “Prometi à minha mulher que ia deixar de trabalhar com o judô para ficar mais tempo em casa, mas assim que cheguei me procuraram e voltei a treinar”. O desafio era grande, pois o esporte não era tão desenvolvido no estado. “O judô era pouco difundido. Se tinha meia dúzia de faixas pretas era muito. A partir de 1972 nos reunimos e fundamos a Federação Pernambucana de Judô. Não foi fácil, mas conseguimos passar por isso”.
Em 1971 fundou a Associação Nagai e passou a treinar diversos atletas, alguns de nível internacional como Katherine Campos, Mariana Barros e Gabriel Pinheiro. Outro grande fruto de seu trabalho são seus filhos. Dos quatro filhos, três homens e uma mulher, três são faixas pretas e construíram histórias muito ricas no judô. “Meu pai sabe muito. Tenho a impressão de que não exista pergunta que ele não saiba responder”, atesta Sérgio Nagai, um dos filhos de Tadao.
Mesmo com todos os feitos, o grande sensei permanece humilde com relação à sua posição na história de Pernambuco. “Não sei se sou a figura mais importante do judô pernambucano, mas procuro ser. Não penso só na minha academia, quero que o esporte cresça. O foco é sempre a evolução do judô”, resume o mestre.
Gerações seguintes
Um dos filhos de Tadao, Sérgio Nagai leva a arte marcial da família como estilo de vida. Além de ser faixa preta com o quinto dan, possui títulos que vão desde campeão pernambucano até campeão sul-americano e vice-campeão pan-americano. Ele também é faixa preta de jiu-jitsu, arte que treina há mais de vinte anos.
A contribuição de Sérgio com a arte suave vai além de só competir. Desde a faixa marrom ele ajuda seu pai nas aulas da academia da família, e hoje em dia dá aulas não só em academias convencionais como também na Universidade Católica de Pernambuco. “Praticamente toda a minha vida de judoca dei aula e, ao mesmo tempo, me treinava. Dessa forma ao longo dos anos formei muitos atletas campeões brasileiros e até alguns que fizeram parte da equipe principal da seleção”, ressalta o faixa preta.
A prática do judô e do jiu-jitsu serviram também para aprofundar os laços já fortes entre Sérgio e sua filha mais velha, Luana. “Digo que a minha filha é minha companheira de treinos, porque ela sempre me acompanha. Ela é muito dedicada, muito estudiosa, tanto no judô quanto no jiu-jitsu”.
Luana tem vinte anos, é faixa preta no judô e azul no jiu-jitsu. Embora seja bastante dedicada aos treinos e ao estudo das artes que pratica, a lutadora sente a responsabilidade de carregar o sobrenome Nagai. “Sinto mais pressão por parte da comunidade do judô e de mim mesma que da minha família. Demorou muito para entender que dentro ou fora do tatame eu sou a Luana. Até hoje é difícil. Graças a Deus meu pai sempre me apoiou e nunca me forçou a nada”, garante.
Mesmo com a família imersa nas artes marciais, Luana procurou outras opções. Formada em Fotografia e estudante de Design, ela concilia estudo com herança. Até hoje a academia da família Nagai funciona na rua Capitão Zuzinha, no bairro de Boa Viagem, onde Tadao e Sérgio compartilham seus conhecimentos com os novos judocas. No tatame a família se une, esperando despertar a mesma paixão que os acompanha geração em geração.
por Luís Antonio
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